O laudo necrológico do “pai da aviação” é uma mentira
histórica. Ele jamais teve um “colapso cardíaco”. Na verdade, se enforcou no
banheiro de um hotel no Guarujá (SP)
A morte do genial
Alberto Santos Dumont foi por décadas edulcorada e relacionada a seu desgosto
pelo uso de aviões para fins militares. Nos anos 60 e 70, professores nem mesmo
falavam a palavra “suicídio” em sala de aula. Tudo para que o fim de um dos poucos
heróis nacionais, capaz de inspirar os pequenos e motivar os adultos, fosse
digno de sua biografia. A dar guarida oficial às versões “moralmente elevadas”
do desaparecimento do aviador havia um laudo necrológico, assinado pelo legista
Roberto Catunda, que indicava morte por “colapso cardíaco”. Uma fraude.
Santos Dumont
morreu em 23 de julho de 1932, no banheiro do Grand Hôtel de La Plage, na
cidade balneária de Guarujá (SP). Há controvérsias sobre o material utilizado
como corda: o cinto do roupão ou uma gravata. Tinha apenas 59 anos. Muitos
pesquisadores se debruçaram sobre esse episódio, ainda hoje mal explicado. Só o
que se tem é de certeza é que, sim, foi suicídio por enforcamento. Permanecem
no campo da especulação as razões do ato extremo.
A ideia de forjar o
laudo necrológico teria sido partilhada por autoridades governamentais e
familiares do inventor. A família teria insistido na dispensa da autópsia, e,
para a polícia, ceder a esse pedido seria atitude humanitária e honrosa,
opinião também do governo paulista, que teria impedido a abertura de um
inquérito. Ajeitados os trâmites, a fraude ficou, e a verdade só aos poucos foi
sendo descoberta.
Tanto cuidado se
justificava, então, pela importância de Alberto Santos Dumont. Até aquele
momento, brasileiro nenhum havia tido tamanha expressão internacional. Não
bastasse ser genial, era ainda rico e alinhado conforme a moda do tempo – ou
melhor, à frente dela, dado que seu lado inventivo se manifestou também no
estilo de roupa e acessórios que usava.
Hoje se diz, com
base em relatos, que o glamour que o aviador esbanjava escondeu por décadas
episódios de depressão profunda ou de uma doença psíquica mais grave – e
incontrolável para a medicina da primeira metade do século XX, como seria o
caso de transtorno bipolar. Não há ainda hoje um diagnóstico fechado, apenas a
evidência de que essa pode ser sido uma causa importante, entre outras, para
que cometesse suicídio.
Que havia uma
doença psíquica a atormentá-lo, disso não há dúvidas. Cartas, internações repetidas
na Europa, recibos de compra de remédios e de consultas a psiquiatras indicam
esse estado, presente em quase toda a sua maturidade – entre 1910 e 1932. Os
documentos pertencem hoje ao acervo da Aeronáutica.
No dia da morte,
Santos Dumont havia aproveitado a natureza: conta-se que deu um passeio pela
linda praia de Pitangueiras, andou de charrete e retornou ao hotel para
almoçar. Passou pelo quarto e de lá não desceu. Funcionários do hotel o
encontraram já morto.
Trecho do documento
Laudo necrológico do
legista Roberto Catunda
“Guarujá – Alberto Santos Dumont –
23-julho-1932. Alberto Santos Dumont – Brasileiro, branco, solteiro, com 59
anos de idade, inventor. Ao que consta, foi encontrado morto em um dos
apartamentos do hotel de La Plage, no Guarujá, onde residia. Trata-se do
cadáver de um homem de estatura mediana e de constituição regular, ainda em
estado de fl acidez muscular. Veste terno de casimira preta, gravata preta e
calça botinas pretas. Não encontramos pelo corpo vestígio de lesão traumática.
A morte se deu por colapso cardíaco”.
Fonte: História Viva