No dia 19 de abril comemoram em
todo Brasil o dia do índio, mas muitos nem sabem o motivo da escolha desse dia
para ser o dia do índio. Nas escolas os professores pintam as crianças e
ensinam a elas que ser indo é usar saia de palha, pena na cabeça, pintar o
corpo e girar em roda gritando de forma repetida e intercalada a letra “U”.
Conversando com uma criança sobre o que seria o dia do índio, ela me disse que
seria “dia de passear com a escola”.
No governo as notas, decretos, atos
públicos, memorandos, discursos etc. prestam o relato cínico de compromisso com
a miséria indígena. Digo que o relato é cínico, pois o artigo 67 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias diz que: “A União concluirá a
demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação
da Constituição.” Considerando que a Constituição Federal foi promulgada em 05
de outubro de 1988, todas as terras indígenas deveriam estar demarcadas até 05
de outubro de 1993. Ou seja, a União está com um atraso de 20 anos em relação à
demarcação das terras tradicionais.
Enquanto isso, nas terras
indígenas, também no dia 19 de abril as crianças passam fome, os professores
são mortos, as lideranças são caladas, as mulheres são estupradas, as
hidrelétricas são iniciadas e concluídas, o meio ambiente provedor é destruído.
Entre os adolescentes indígenas, a taxa de suicídio espanta, pois em 2008
atingiu a cifra de 20 suicídios a cada 100 mil indígenas, contra 4,9 suicídios
da média nacional. Só no estado do Amazonas, em 2008, foram registrados 32,2
suicídios por cada 100 mil indígenas, o que representa uma taxa 6 vezes maior
do que a média nacional; no estado do Mato Grosso do Sul a taxa foi de 446
suicídios entre os jovens por cada 100 mil indígenas, dezenas de vezes superior
à média nacional (Fonte: Mapa da violência 2011).
Outros dados reforçam o espanto. Do
total de pessoas mortas entre 2002 e 2010, 34,5% eram brancas e 65,1% eram
negras (pardas e pretas segundo classificação do IBGE). Desse total 30,6% eram
jovens brancos e 69,1% eram jovens negros, sendo que as sobras desse percentual
são de amarelos e indígenas. Apesar de a taxa de indígenas ser baixa, se
considerarmos que a população indígena representa 0,4% da população nacional,
ou seja, são 817,9 mil indígenas numa população total de 190.732.694 pessoas
(IBGE – 2010), teremos um índice também assustador. Considerando a proporção, o
Mapa da Cor dos Homicídios no Brasil apontou para um aumento de 48% do índice
de homicídio de indígenas entre 2002 e 2010 e de 56,3% de jovens indígenas no
mesmo período, apresentando à nação em festa pelo Dia do Índio uma estatística
de causar horror.
Diante desse cenário, antes de
iniciarmos nossos comentários sobre o “dia do índio”, queremos citar uma canção
do Legião Urbana que diz: “Vamos celebrar nossa bandeira, nosso passado de
absurdos gloriosos, tudo o que é gratuito e feio, tudo o que é normal. Vamos
cantar juntos o hino nacional, a lágrima é verdadeira. (…) Vamos celebrar o
horror de tudo isto com festa, velório e caixão, está tudo morto e enterrado
agora!”
O dia do índio foi criado por
ocasião do 1º Congresso Indigenista Interamericano, ocorrido no México em 1940,
ocasião em que foi elaborada a Recomendação nº 59 que propôs: 1. o
estabelecimento do Dia do Índio pelos governos dos países americanos, que seria
dedicado ao estudo do problema do índio atual pelas diversas instituições de
ensino; 2. que seria adotado o dia 19 de abril para comemorar o Dia do Índio,
data em que os delegados indígenas se reuniram pela primeira vez em assembléia
no Congresso Indigenista. No Brasil o presidente Getúlio Vargas instituiu o dia
do índio por meio do Decreto-lei 5540/43.
Criado, então, o dia do índio,
resta-nos refletir sobre a razão de comemorarmos essa data.
Comemoração nos lembra alegria, mas
quando pensamos na situação dos povos indígenas no Brasil a vontade que temos é
de chorar… e chorar de tristeza. Quando olhamos para o Direito, não vemos
respeito aos povos indígenas e, novamente, sentimos ânsia, dor de estômago, e
ressurge a nossa vontade de chorar de tristeza, pois nos sentimos inúteis,
enganados, bobos mesmo, por termos de nos valer de tantos direitos sem podermos
lançar mão de um mínimo de justiça.
Diante desse cenário, nosso
entendimento é no sentido de que o que deveríamos ter é uma cerimônia não de
comemoração no dia 19 de abril, mas uma cerimônia fúnebre, para velar a
participação política dos povos originários do Brasil na disputa pelo sentido de
democracia que deve orientar o Direito brasileiro.
Fonte: *Pedro Pulzatto Peruzzo, Advogado, Militante Defesa dos
Direitos Humanos, GT Indígena do Tribunal Popular: o Estado brasileiro no banco
dos réus; Israel Iberê-Uaná Sassa Tupinambá, Povo Tupinambá, Militante Defesa
dos Direitos Humanos, GT Indígena do Tribunal Popular: o Estado brasileiro no
banco dos réus.
Apesar de não ser seu aluno, adorei a publicação. É exatamente esse tipo de publicação que tem que ser espalhado pela internet. É o que chamo de chute na canela dos politicos e da sociedade alienada.
ResponderExcluirObrigado Humberto pela participação. Seja sempre bem vindo a esse espaço e fique a vontade para emitir opiniões,críticas e sugestões para melhorar cada vez mais este espaço. Com relação ao assunto, infelizmente a grande mídia esconde a dura realidade dos povos indígenas em detrimento a ganância daqueles que acham que é dono do Brasil. :(
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